Café com a Oficina: Sussurrofone e a professora genial

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O Banco Mundial, em fevereiro deste ano, divulgou um dado terrível: o Brasil vai demorar 260 anos para atingir o nível de leitura dos países desenvolvidos e 75 anos para atingir esse nível em matemática. O cálculo foi baseado no desempenho dos estudantes brasileiros em todas as edições do PISA, que é a avaliação internacional aplicada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).
 
Esse é um dado que compromete não apenas a educação e cultura brasileiras, mas também a competência profissional brasileira, uma vez que os trabalhadores de todos os níveis têm desempenho inferior ao que poderiam ter, caso compreendessem melhor o português e a matemática.
 
Para servir como um fio de esperança nessa lama educacional em que estamos, a professora Adélia Muniz, da rede municipal de ensino do estado do Piauí, povoado de Cacimba Velha, zona rural de Teresina, criou um equipamento por apenas R$ 3,50 a unidade, feito manualmente com canos e joelhos de PVC.
 
É o “sussurrofone” que é um aparelho parecido com um telefone e que tem como objetivo incentivar a leitura em crianças do 4º e 5º anos. A criança fala no bocal e ouve a ela mesma com certa ampliação na voz, o que a ajuda a controlar o medo e a ansiedade em falar em público, a perceber os próprios erros e a reduzi-los, tanto na leitura, quanto na escrita.
 
Bom demais é que uma escola municipal de Ponta Grossa, no Paraná, gostou da ideia e também a adotou, percebendo ganhos, não apenas na leitura e escrita, mas também na matemática, pois os alunos conseguem se concentrar melhor na descrição do problema, compreendê-lo e achar mais facilmente a solução.
 
Soluções brilhantes não precisam ser caras, nem complexas. A simplicidade tem uma força de realização que permite com que testes sejam feitos rapidamente e as ideias cada vez mais aprimoradas. Você e sua empresa podem incentivar as escolas de primeiro grau a utilizarem o sussurrofone para abreviar o abismo em que estamos frente aos países desenvolvidos.
 
E, para soluções do seu dia-a-dia, busque o simples.
 
Assista: bit.ly/2MmET7e

Café com a Oficina: A escassez e o brigadeiro

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O brigadeiro é um doce brasileiro muito conhecido e querido. Vale relembrar um pouco de sua história. A começar do nome que acabou surgindo naturalmente, pois grupos de apoio ao candidato à presidente do Brasil em 1945, Eduardo Gomes, começaram a fazer um doce sem nome e vendê-lo para arrecadar fundos. O candidato era Brigadeiro da aeronáutica e quem vendia os docinhos usava o slogan: “Vote no Brigadeiro, que é bonito e solteiro”. Daí logo se associou o nome do doce à patente e o brigadeiro ganhou certidão de nascimento. Apesar do doce apoio e da divertida propaganda, ele perdeu a eleição para Gaspar Dutra.
 
O doce brigadeiro ganhou o gosto popular e o status de representante da categoria doces brasileiros. Ultimamente são inúmeras as versões gourmet da iguaria, buscando alçar novos voos. No entanto, o aspecto que mais interessa a esse nosso “Café com a Oficina” é a lenda (não há comprovação de sua veracidade) de que esse doce foi criado a partir de um situação de escassez. Ao final da Segunda Guerra, havia escassez de tudo, especialmente de ovos. Assim, a receita não utiliza gemas, o que é muito comum na maioria dos doces brasileiros herdados da culinária portuguesa. A escassez de ovos fez surgir o brigadeiro e a escassez de recursos de campanha fez o brigadeiro ganhar notoriedade e vida longa.
 
A escassez é a pouca disponibilidade de um ingrediente considerado imprescindível. Esse fator, a escassez, pode ser um estimulante para o pensamento criativo, tanto para fazer um doce delicioso sem gemas, quanto para grandes mudanças de perspectivas em projetos de todos os tipos. A escassez de um recurso pode estimular o cérebro a buscar alternativas e algumas resultam em soluções muito melhores do que aquela que usava o recurso.
 
Importante é não esperar um recurso tornar-se escasso para então pensar criativamente. Simular situações de escassez, estimular o cérebro a buscar novas saídas pode gerar boas ideias. Pensar “E se…” E se eu não tivesse carro? E se o petróleo acabasse amanhã? E se eu morasse em uma localidade com poucos recursos? Na empresa, reúna pessoas de diferentes áreas e imaginem a escassez de determinado recurso imprescindível e pensem novas soluções. Pode surgir daí um processo melhor, mais rápido, mais barato e, quem sabe, tão gostoso quanto um bom brigadeiro.

Imagem: Wikipedia 

Polinizando ideias: Botero, o renascimento colombiano

 
Fernando Botero, artista plástico colombiano nascido em Medellín, é conhecido mundialmente por suas figuras, em telas ou esculturas, que esbanjam centímetros por todos os lados. Na região onde nasceu, em 1932, não havia museus ou tradição de pintores, então foi descobrindo sozinho o que seria fazer arte.
 
Ele alimentou sua inspiração em diversas fontes, desde obras pré-colombianas, passando pela arte popular da América Latina, até a inspiração definitiva dada pelas obras italianas dos séculos 14 e 15. Neste período, Botero encontrou os excessos, os volumes que até hoje iluminam os olhares de todos os apreciadores de arte, mesmo nos tempos contemporâneos de culto à magreza.
 
Buscou aprimoramento por meio do autodesenvolvimento. Aos 19 anos, passou um tempo em Madrid, fazendo cópias de obras do Museu Del Prado, para conseguir dinheiro para viver e experiência para se desenvolver. Passou dois anos em Florença, copiando afrescos e tomando contato com as obras que tinham o caráter plástico e volumétrico que o influenciaram fortemente, advindos do renascimento italiano. Depois morou em Nova Iorque, onde o forte naquele momento era a pintura abstrata e, portanto, muito diferente da sua escolha artística.
 
Botero escolheu ser um artista independente. Livre das amarras das tendências e modismos, fazendo uma pintura em que acreditava. Ele disse: “É claro que esta atitude provocou todo tipo de resistências. Mas insisti em meu ponto de vista, mesmo contra a corrente, porque estou convencido de que a arte é uma expressão muito pessoal do que o artista tem dentro de si, e que cada um tem que buscar o frescor e a originalidade interiores. Assim, consegui fazer uma obra que atualmente tem uma grande aceitação.”
 
Sua obra, que mescla tantas referências, porém é completamente única e identificável, inspira a reflexão de que, sim, é preciso que aqueles que queiram fazer diferença em qualquer campo e não apenas no artístico, também devem beber em muitas fontes, não para fazer cópias, mas sim produzir algo único e significativo para o seu trabalho e para sua vida. Como ele diz, buscar o frescor e a originalidade dentro de si, para fazer o que quer e o que vale a pena ser feito.

Café com a Oficina: A importância de ficar com a mente alerta

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O médico obstetra francês Sthépane Tarnier trabalhava na Maternité Paris, que atendia mulheres pobres. Em um dia de folga nos idos de 1870, foi passear no Paris Zoo e acabou por deparar-se com chocadeiras de frangos. O calor que apoiava os pintinhos recém saídos dos ovos a iniciar sua jornada pela vida iluminou o pensamento de Tarnier.

Com uma ideia em mente, contratou Odile Martin, responsável do Zoo de Paris por aves domésticas e lhe encomendou uma chocadeira, porém para seres humanos. Naquela época, mesmo na França, a mortalidade infantil era muito alta. Um em cada cinco bebês morriam antes mesmo de engatinhar e, caso fossem prematuros abaixo do peso, este número era bem maior, chegando a 66%.

Tarnier controlou os resultados estatisticamente, mostrando que o uso das estufas reduzia imediatamente as mortes de bebês prematuros a 38%. Rapidamente o conselho municipal de Paris obrigou a todo o hospital dispor de uma incubadora.

As incubadoras modernas, que incluem oxigenoterapia fizeram cair 75% das mortes. Isso coloca as incubadoras como o maior avanço científico na medicina do século XX, em termos de vidas a mais e anos a mais nas vidas salvas do que inventos muito mais complexos.

Infelizmente esse invento não repercute da mesma forma em países pobres, pois as incubadoras modernas são caras e de difícil manutenção. Hoje a taxa de mortalidade infantil nos EUA está abaixo de 10 por 10.000 nascimentos, enquanto que em países como a Libéria e o Congo, morrem mais de 100 bebês a cada 10.000 nascimentos.

Aí entra outra pessoa de mente aberta como o Dr. Tarnier, que é o professor do MIT Massachusetts Institute of Technology, Timothy Prestero. Ele percebeu que em países pobres existe uma vasta competência em consertar automóveis. Assim, resolveu construir uma incubadora com peças de automóveis, fáceis de encontrar no mundo subdesenvolvido. Conseguiu o feito e a incubadora chama-se Neonurtune, por fora é parecida com uma moderna incubadora, mas por dentro um farol de carro é que produz o calor, ventoinhas fazem o ar circular, uma bateria de motocicleta provê a energia necessária e o melhor, qualquer mecânico de automóveis consegue consertá-la.

Boas ideias podem, como já mostramos em outro post, serem adaptações de coisas existentes e funcionarem de modo simples e eficaz nas diversas condições existentes.

É preciso deixar a mente aberta e alerta – e isso só se consegue quando há interesse genuíno no que se faz. Não esqueça da estatística, pois ela dá força e os recursos necessários para que a ideia ganhe vida. Não é à toa que as empresas apoiadoras de novas ideias chamam-se incubadoras. Calor e cuidado: é disso que as boas ideias precisam para sobreviver.

Caso citado no Iivro:
“De onde vêm as boas ideias”, de Steven Johnson

Imagem:
“Taking a Lesson from the Past – Flower Face”
Yong Meon Kang
2004
Korean Art Museum Association

Polinizando ideias: A moça com brinco de pérola e sua corrente de possiblidades

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Pouco se sabe sobre a vida do pintor Johannes Vermeer, autor da famosa obra “Moça com Brinco de Pérola” (dentre outros 33 trabalhos a ele atribuídos). A modelo com seu olhar direto para o espectador, tem atraído a atenção e a imaginação sobre quem seria a moça de pele alva e brinco de pérola com brilho em destaque e também sobre este pintor que conseguia a perfeição na representação da luz.

O que se sabe é que Vermeer tinha grandes problemas financeiros e, mesmo assim, utilizou o pigmento azul ultramarino extraído de lápis-lazuli esmagado, que tinha um preço exorbitante, para pintar a parte azul do turbante da moça, obtendo um resultado perfeito.

De 1665, quando foi pintado, ele reapareceu na história em 1881, quando foi foi comprado, por 2,30 florins, em um leilão. O comprador, Des Tombe, a deixou ao morrer para o museu Mauritshuis, localizado na cidade de Haia, na Holanda, onde se encontra até os dias atuais, e é considerada sua obra principal.

Não se sabe se este retrato foi uma encomenda ou um trabalho espontâneo do autor. Alguns pesquisadores acreditam que a modelo tenha sido a filha mais velha do pintor, Maria, quando ela tinha 12 ou 13 anos. Os lenços dispostos como turbante causam estranhamento, pois não são naturais à Holanda de meados de 1665. Sobre a pérola, que no quadro passa a sensação de peso e volume, incidem os mesmos raios de luz que iluminam o rosto, o turbante, o lábio inferior e o colarinho branco da moça. Essa obra foi completamente restaurada em 1994, ressaltando o efeito tridimensional, as cores brilhantes e os tons da pele com que foram pintadas.

Este quadro provocou a interligação de diversas artes. Em 1999, a escritora americana residente na Inglaterra, Tracy Chevalier, escreveu o livro “Moça com brinco de pérola” que vendeu mais de 5 milhões de exemplares e inspirou o filme estrelado em 2004 por Scarlett Joansson e dirigido por um estreante, o inglês Peter Webber.

A cena inicial, que mostra vegetais sendo cortados, já diz que o filme veio para mostrar o mundo da arte pictórica, o mundo da luz. O quadro é retratado de forma impressionantemente semelhante ao original e a história, criada por Chevalier, com imaginação e respeito ao cenário holandês do século XVII, envolve o espectador nas dores e sensibilidades que Vermeer, quem sabe, poderia mesmo ter passado,

Trazendo para o mundo das organizações e para o constante e necessário pensar sobre desenvolvimento pessoal, esta obra realizada com qualidade impressionante, o livro inspirado pela pintura, o filme inspirado pelo livro e todo o aparato de artistas, não apenas o jovem diretor e os atores, mas também os figurinistas, costureiras, pintores, músicos e tantos mais, nos fazem refletir sobre o quanto um trabalho realizado com dedicação é capaz de inspirar e ser o elo com novas possibilidades. Uma genuína e bela corrente de boas realizações.

Artista: Johannes Vermeer
Site do museu Mauristshuis: https://goo.gl/z5yYui
Tracy Chevalier: http://www.tchevalier.com/

Polinizando ideias: As formas de Brecheret e a imigração

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Polinizando ideias: As formas de Brecheret e a imigração

A mãe do pequeno Vittorio faleceu quando ele tinha apenas 6 anos. Acolhido pela família do tio materno, imigrou com eles para o Brasil em 1904, buscando uma vida melhor que na sofrida Itália daqueles tempos.

Foram acolhidos pela cidade de São Paulo, que estava em pujante crescimento impulsionado pelo café. O menino Vittorio, no Brasil, tornou-se Victor Brecheret, preservando o sobrenome do pai.

Estudou entalhe em madeira e mármore no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Depois passou 5 anos em Roma aperfeiçoando sua arte. Voltou ao Brasil e integrou-se ao movimento modernista, expondo algumas de suas obras no terraço do Teatro Municipal de São Paulo, durante a importante Semana de Arte Moderna de 1922.

Suas obras podem ser vistas nos mais diversos locais da cidade de São Paulo e em vários lugares do mundo. Seu trabalho mais conhecido, o Monumento às Bandeiras, inaugurado em 1953, levou 30 anos para ser concluído e tem dimensões colossais. Homenageia não apenas os bandeirantes paulistas, mas todo o povo brasileiro. O escultor recebeu prêmios e honrarias no Brasil e na Europa.

A escultura tem essa concretude que outras artes não possuem. As obras de Brecheret, com seus traços limpos e fortes, atraem não apenas o olhar, mas também a interação física das pessoas.

Nestes duros tempos de imigrantes deslocando-se e sofrendo pelo mundo, é importante relembrar a contribuição do menino italiano à arte brasileira. Ele, apesar da vitoriosa carreira internacional, fez questão de buscar e receber a cidadania brasileira como homenagem e gratidão ao país que o acolheu.

Victor Brecheret
http://www.victor.brecheret.nom.br

Foto: Divulgação

Polinizando ideias: Ítalo Calvino e as Fábulas Italianas

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Ítalo Calvino (1923-1985) é um escritor italiano que nasceu na cidade de Santiago de Las Vegas em Cuba, mas foi para a Itália muito pequeno. Ele é considerado um dos maiores escritores europeus do Século XX, mas quando ainda não era muito conhecido, recebeu uma encomenda curiosa e relevante: compilar as fábulas italianas, assim como já haviam feito os Irmãos Grimm com as fábulas alemãs no século XIX. Esta obra recebeu no Brasil o Prêmio Jabuti 1993, na categoria de melhor produção editorial em obra coleção.

A fábula é uma alegoria espontânea, que nasceu praticamente em paralelo à linguagem do ser humano e permitiu que ideias abstratas se transformassem em histórias instrutivas e divertidas e, talvez, tenha sido a primeira forma de reflexão sobre valores morais.

No livro, Calvino registra a cidade ou região italiana de onde cada uma das fábulas foi trazida, enriquecendo ainda mais seu conteúdo. A narrativa sempre rica em elementos diversos, como castelos, príncipes e princesas, seres mitológicos, criaturas incríveis, bruxas, fadas, pessoinhas ou gigantes cheios de ação, faz sua leitura ser fácil e leve. Claro que a interpretação pode ter profundos nuances psicológicos ou morais e esse é outro ganho possível desta compilação, que foi modulada pela beleza e maestria com que Ítalo Calvino escreve.

Nestes tempos, distanciadoramente digitais, ler estas fábulas com a família ou amigos pode ser um momento de boa aproximação, de diversão sadia e um remexer na criatividade e no pensar sobre o justo, que é um dos elementos que se abstrai de uma fábula.

Livro: Fábulas Italianas
Autor: Ítalo Calvino:
Editora: Companhia das Letras

Para quem quiser ler pelo menos duas destas fábulas de Ítalo Calvino, acesse este site de domínio público: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001614.pdf