Polinizando ideias: Mulheres de Cinzas – Mia Couto

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Mia Couto é um escritor Moçambicano, autor de mais de trinta livros entre prosa e poesia. No seu mais recente trabalho, inaugura uma trilogia que se chama “Areias do Imperador” e conta, com a ajuda de dois narradores, uma história de ficção baseada em fatos reais de um período onde Moçambique ainda era colônia de Portugal e também era atacado por um exército africano.

Um dos narradores é uma mocinha moçambicana, que fala fluentemente o português, aprendido em uma escola de freiras e o outro, um sargento português que presta serviços em Moçambique, após ter sido desterrado de Portugal por manifestar-se a favor da república e, portanto, contra o regime monarquista vigente então.

Não há como não refletir sobre as agruras que o colonialismo provocou e mais que tudo, sobre a arrogante postura dos brancos sobre os negros, como se o conhecimento europeu fosse o único válido e a poética forma dos africanos lidarem com a natureza e dela fazer sua forma de viver, passava desapercebida ou incompreensível aos colonizadores e a outros brancos (provavelmente para muitos continua sendo considerada incompreensível ou irrelevante até os dias atuais).

Uma passagem que dá alguma prova disto é uma conversa entre a narradora de nome Imani e uma italiana que, no livro, morava em Moçambique e se chamava Bianca Marini:

– Sabes a história deste rio? Perguntou-me a europeia.

E sem esperar que eu respondesse foi dizendo que Vasco da Gama já lhe havia dado um nome, o de Rio do Cobre. (…)

A italiana falou dos nomes que o rio tinha. Quando ela os enunciou, senti-me incomodada. Porque falava como se as águas do Inharrime lhe pertencessem. A verdade é que Bianca está longe de saber como nasceram aqueles rios. Ocupada em lhes dar nomes, escapou-lhe a história. Não sabe a italiana que no princípio de tudo, quando a terra ainda não tinha donos, os rios e as nuvens corriam por debaixo do chão. Chegou o demônio e espetou o dedo na areia. A sua unha comprida esgravatou nas profundezas. Procurava pedras que brilhassem à luz do Sol. (…) Pela primeira vez no ventre da Terra se coagulou o contaminado sangue do demônio. As riquezas do subsolo estavam amaldiçoadas. As nuvens e os rios abandonaram o ventre do planeta para escaparem dessa maldição. E tornaram-se as veias e os cabelos da Terra.

Esta é a história dos rios. Poderão roubar a sua água até secarem. Mas não roubarão a sua história.

Respeito, por conhecer e relevar a história do outro, seja no ambiente de trabalho, seja nos vários ambientes da vida é o que possibilitará à raça humana tornar-se menos agressiva, mais interativa e, aproveitando-se do saber de todos, construir juntos um futuro que seja bom para o planeta e todas as espécies que nele habitam.

Livro: “Mulheres de Cinzas” – Livro 1 da Trilogia “As areias do imperador”
Autor: Mia Couto
Editora: Companhia das Letras
Ano da Edição: 2015

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